Mundo Prosa
Prosear é um jeito de falar. Fala sem objetivo definido, como o vôo dos urubus - indo ao sabor do vento. Palavras fluindo. Para prosa não existe 'ordem do dia', não há conclusões, não há decisões. A prosa não quer chegar a nenhum lugar. A prosa encontra sua felicidade em prosear. Como andar de barco a vela em que o bom não é chegar mas o 'estar indo'. Rubem Alves
quarta-feira, 9 de maio de 2012
segunda-feira, 30 de abril de 2012
Namore um cara que um lê
esses textos que a gente encontra na internet...
Namore um cara que se orgulha da biblioteca que tem, ao invés do carro, das roupas ou do penteado. Ele também tem essas coisas, mas sabe que não é isso que vai torná-lo interessante aos seus olhos. Namore um cara que tenha uma pilha de três ou quatro livros na cabeceira e que lembre do nome da professora que o ensinou as primeiras letras.
Encontre um cara que lê. Não é difícil descobrir: ele é aquele que tem a fala mansa e os olhos inquietos. Ele é aquele que pede, toda vez que vocês saem para passear, para entrar rapidinho na livraria, só para olhar um pouco. Sabe aquele que às vezes fica calado porque sabe que as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas? Esse é o que lê.
Ele é o cara que não tem medo de se sentar sozinho num café, num bar, num restaurante. Mas, se você olhar bem, ele não está sozinho: tem sempre um livro por perto, nem que seja só no pensamento. O rosto pode ser sério, mas ele não morde, não. Sente-se na mesa ao lado, estique o olho para enxergar a capa, sorria de leve. É bem fácil saber sobre o quê conversar.
Diga algo sobre o Nobel do Vargas Llosa. Fale sobre sobre as novas traduções que andam saindo por aí. Cuidado: certos best-sellers são assunto proibido. Peça uma dica. Pergunte o que ele está lendo –e tenha paciência para escutar, a resposta nunca é assim tão fácil.
Namore um cara que lê, ele vai entender um pouco melhor seu universo, porque já leu Simone, Clarice e –talvez não admita– sabe de memória uns trechos de Jane Austen. Seja você mesma, você mesmíssima, porque ele sabe que são as complicações, os poréns que fazem uma grande heroína. Um cara que lê enxerga em você todas as personagens de todos os romances. Um cara que lê não tem pressa, sabe que as pessoas aprendem com os anos, que qualquer um dos grandes tem parágrafos ruins, que o Saramago começou já velho, que o Calvino melhorou a cada romance, que o Borges pode soar sem sentido e que os russos precisam de paciência.
Um namorado que lê gosta de muita coisa, mas, na dúvida, é fácil presenteá-lo: livro no aniversário, livro no Natal, livro na Páscoa. E livro no Dia das Crianças, por que não? Um cara que lê nunca abandonará uma pontinha de vontade de ser Mogli, o menino lobo.
E você também ganhará um ou outro livro de presente. No seu aniversário ou no Dia dos Namorados ou numa terça-feira qualquer. E já fique sabendo que o mais importante não é bem o livro, mas o que ele quis dizer quando escolheu justo esse. Um cara que lê não dá um livro por acaso. E escreve dedicatórias, sempre.
Entenda que ele precisa de um tempo sozinho, mas não é porque quer fugir de você. Invariavelmente, ele vai voltar –com o coração aquecido– para o seu lado. Demonstre seu amor em palavras, palavras escritas, falas pausadas, discursos inflamados. Ou em silêncios cheios de significados; nem todo silêncio é vazio.
Ele vai se dedicar a transformar sua vida numa história. Deixará post-its com trechos de Tagore no espelho, mandará parágrafos de Saint-Exupéry por SMS. Você poderá, se chegar de mansinho, ouví-lo lendo Neruda baixinho no quarto ao lado. Quem sabe ele recite alguma coisa, meio envergonhado, nos dias especiais. Um cara que lê vai contar aos seus filhos a História Sem Fim e esconder a mão na manga do pijama para imitar o Capitão Gancho.
Namore um cara que lê porque você merece. Merece um cara que coloque na sua vida aquela beleza singela dos grandes poemas. Se quiser uma companhia superficial, uma coisinha só para quebrar o galho por enquanto, então talvez ele não seja o melhor. Mas se quiser aquela parte do "e eles viveram felizes para sempre", namore um cara que lê. Ou, melhor ainda, namore um cara que escreve.
Rosemary Urquico
Namore um cara que se orgulha da biblioteca que tem, ao invés do carro, das roupas ou do penteado. Ele também tem essas coisas, mas sabe que não é isso que vai torná-lo interessante aos seus olhos. Namore um cara que tenha uma pilha de três ou quatro livros na cabeceira e que lembre do nome da professora que o ensinou as primeiras letras.
Encontre um cara que lê. Não é difícil descobrir: ele é aquele que tem a fala mansa e os olhos inquietos. Ele é aquele que pede, toda vez que vocês saem para passear, para entrar rapidinho na livraria, só para olhar um pouco. Sabe aquele que às vezes fica calado porque sabe que as palavras são importantes demais para serem desperdiçadas? Esse é o que lê.
Ele é o cara que não tem medo de se sentar sozinho num café, num bar, num restaurante. Mas, se você olhar bem, ele não está sozinho: tem sempre um livro por perto, nem que seja só no pensamento. O rosto pode ser sério, mas ele não morde, não. Sente-se na mesa ao lado, estique o olho para enxergar a capa, sorria de leve. É bem fácil saber sobre o quê conversar.
Diga algo sobre o Nobel do Vargas Llosa. Fale sobre sobre as novas traduções que andam saindo por aí. Cuidado: certos best-sellers são assunto proibido. Peça uma dica. Pergunte o que ele está lendo –e tenha paciência para escutar, a resposta nunca é assim tão fácil.
Namore um cara que lê, ele vai entender um pouco melhor seu universo, porque já leu Simone, Clarice e –talvez não admita– sabe de memória uns trechos de Jane Austen. Seja você mesma, você mesmíssima, porque ele sabe que são as complicações, os poréns que fazem uma grande heroína. Um cara que lê enxerga em você todas as personagens de todos os romances. Um cara que lê não tem pressa, sabe que as pessoas aprendem com os anos, que qualquer um dos grandes tem parágrafos ruins, que o Saramago começou já velho, que o Calvino melhorou a cada romance, que o Borges pode soar sem sentido e que os russos precisam de paciência.
Um namorado que lê gosta de muita coisa, mas, na dúvida, é fácil presenteá-lo: livro no aniversário, livro no Natal, livro na Páscoa. E livro no Dia das Crianças, por que não? Um cara que lê nunca abandonará uma pontinha de vontade de ser Mogli, o menino lobo.
E você também ganhará um ou outro livro de presente. No seu aniversário ou no Dia dos Namorados ou numa terça-feira qualquer. E já fique sabendo que o mais importante não é bem o livro, mas o que ele quis dizer quando escolheu justo esse. Um cara que lê não dá um livro por acaso. E escreve dedicatórias, sempre.
Entenda que ele precisa de um tempo sozinho, mas não é porque quer fugir de você. Invariavelmente, ele vai voltar –com o coração aquecido– para o seu lado. Demonstre seu amor em palavras, palavras escritas, falas pausadas, discursos inflamados. Ou em silêncios cheios de significados; nem todo silêncio é vazio.
Ele vai se dedicar a transformar sua vida numa história. Deixará post-its com trechos de Tagore no espelho, mandará parágrafos de Saint-Exupéry por SMS. Você poderá, se chegar de mansinho, ouví-lo lendo Neruda baixinho no quarto ao lado. Quem sabe ele recite alguma coisa, meio envergonhado, nos dias especiais. Um cara que lê vai contar aos seus filhos a História Sem Fim e esconder a mão na manga do pijama para imitar o Capitão Gancho.
Namore um cara que lê porque você merece. Merece um cara que coloque na sua vida aquela beleza singela dos grandes poemas. Se quiser uma companhia superficial, uma coisinha só para quebrar o galho por enquanto, então talvez ele não seja o melhor. Mas se quiser aquela parte do "e eles viveram felizes para sempre", namore um cara que lê. Ou, melhor ainda, namore um cara que escreve.
Rosemary Urquico
terça-feira, 11 de outubro de 2011
11´09´´01 O 11 de Setembro do Chile
Repostando... . O filme deste post mostra uma versão do canadense Ken Loach sobre um outro 11 de setembro, o 11 de Setembro de 1973 no Chile. Versão para americano nenhum botar defeito.
quarta-feira, 13 de abril de 2011
links para II Guerra
Site da Coleção da Editora Abril sobre a II Guerra Mundial.
dica para os alunos do 3 ano do ensino médio
http://www.colecaosegundaguerra.com.br
Veja especial sobre a II Guerra
dica para os alunos do 3 ano do ensino médio
http://www.colecaosegundaguerra.com.br
Veja especial sobre a II Guerra
terça-feira, 12 de abril de 2011
A inadiável decisão
Em 1757 Jean-Jacques Rousseau escreveu Emílio, um romance que marcará profundamente o pensamento pedagógico moderno; nessa obra ele propõe princípios e métodos educacionais que impeçam que uma criança (sempre boa por natureza, tal como, acredita ele, assim nasce qualquer mulher e homem) torne-se má ao ficar adulto. Rousseau proclama a “bondade natural” das pessoas, mas teme sempre que a vida social apodreça essa condição inicial; desse modo é preciso uma educação com métodos ativos com respeito á personalidade infantil, e que impeça a concorrência de descaminhos maléficos.
Na mesma Europa do Filósofo Rousseau, mas já no século XX uma menina alemã de ascendência judaica teve de interromper um “diário” em que escrevia como vivia escondida durante dois anos em um forro de uma casa em Amsterdã. Anne Frank foi aprisionada na Holanda pelos nazistas que, caçavam sem piedade aos que tivessem qualquer vínculo semita. Entre 1942 e 1944 ela houvera anotado (como em um blog) tudo o que sentia, vivia e doía no esconderijo; mas também indicava as alegrias e esperanças que despontavam em meio ao pânico habitual, daqueles que, a qualquer instante, podem ser vitimados pelo hediondo.
Essa adolescente aos 15 anos de idade, foi levada para a Alemanha, ao campo de concentração; em Abril de 1945 as forças aliadas representadas pelos ingleses, conseguiram tomar esse campo e se depararam com a mais real constatação do horror: milhares de cadáveres e o registro sistemático do assassinato de quase 40.000 pessoas, entre elas, Anne, executada um mês antes da tomada.
Em 1947 as anotações da menina sobreviveram e foram publicadas como “O diário de Anne Frank”. O mais incrível, porém, é encontrar nesse diário uma frase de surpreendente de Anne: “Apesar de tudo, eu ainda creio na bondade humana”. Como é possível? Depois de tudo? Tanto padecimento, tanto martírio, tanta tortura, tanta atrocidade! E, de novo, tanta confiança e alento.
A maldade não é humana? Chama-se de brutalidade, bestialidade ou animalidade ao ato praticado por um homem ou uma mulher que pareçam ter perdido o juízo ou feito algo que se entende como desumano. Desumano? Ora, somos capazes disso! Nossa liberdade nos permite e nos incrimina, nosso arbítrio nos autoriza e nos inculpa; diferentemente de outros seres, temos maior condição de autonomamente decidir e desobedecer.
Crédulo Rousseau, inocente Anne. Ou, é melhor sermos funestamente realistas? Ainda há tempo; qual a nossa escolha?
Autor: Mario Sergio Cortella
in Não espere pelo Epitáfio
Na mesma Europa do Filósofo Rousseau, mas já no século XX uma menina alemã de ascendência judaica teve de interromper um “diário” em que escrevia como vivia escondida durante dois anos em um forro de uma casa em Amsterdã. Anne Frank foi aprisionada na Holanda pelos nazistas que, caçavam sem piedade aos que tivessem qualquer vínculo semita. Entre 1942 e 1944 ela houvera anotado (como em um blog) tudo o que sentia, vivia e doía no esconderijo; mas também indicava as alegrias e esperanças que despontavam em meio ao pânico habitual, daqueles que, a qualquer instante, podem ser vitimados pelo hediondo.
Essa adolescente aos 15 anos de idade, foi levada para a Alemanha, ao campo de concentração; em Abril de 1945 as forças aliadas representadas pelos ingleses, conseguiram tomar esse campo e se depararam com a mais real constatação do horror: milhares de cadáveres e o registro sistemático do assassinato de quase 40.000 pessoas, entre elas, Anne, executada um mês antes da tomada.
Em 1947 as anotações da menina sobreviveram e foram publicadas como “O diário de Anne Frank”. O mais incrível, porém, é encontrar nesse diário uma frase de surpreendente de Anne: “Apesar de tudo, eu ainda creio na bondade humana”. Como é possível? Depois de tudo? Tanto padecimento, tanto martírio, tanta tortura, tanta atrocidade! E, de novo, tanta confiança e alento.
A maldade não é humana? Chama-se de brutalidade, bestialidade ou animalidade ao ato praticado por um homem ou uma mulher que pareçam ter perdido o juízo ou feito algo que se entende como desumano. Desumano? Ora, somos capazes disso! Nossa liberdade nos permite e nos incrimina, nosso arbítrio nos autoriza e nos inculpa; diferentemente de outros seres, temos maior condição de autonomamente decidir e desobedecer.
Crédulo Rousseau, inocente Anne. Ou, é melhor sermos funestamente realistas? Ainda há tempo; qual a nossa escolha?
Autor: Mario Sergio Cortella
in Não espere pelo Epitáfio
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Novo e Novidade
Vale a leitura do Frei Betto e Cortella... achei o livro caro pela espessura, mas voce consegue ler ele em uma hora nas almofadas da livraria cultura, achei muito boa a distinção entre novo e novidade.
Sobre a esperança: diálogo. São Paulo: Papirus, 2007
"à distinção entre novo e novidade, gostaria de ressaltar ainda que, além da imensa profusão de novidades, hoje, no nosso cotidiano, elas têm em comum o fato de serem modismos; elas passam, a precariedade é sua principal característica. Já o novo é algo que se implanta, que revoluciona e permanece no tempo. Por exemplo, a mensagem de Sócrates por meio de Platão é nova, revolucionária. O novo é aquilo que mantém a vitalidade, que é viçoso. Outros exemplos que eu poderia citar são a música de Mozart e de Catulo da Paixão Cearense, assim como a obra de Mestre Ataíde ou de Aleijadinho Todas essas manifestações são novas, não são meras novidades.
No mundo de hoje, creio que parte dos jovens perde o foco da possibilidade de esperança porque persegue o urgente e a novidade, deixando o que é importante e também aquilo que é novo de lado."
(Cortella, In: Betto e Cortella, 2007, p. 301).
Sobre a esperança: diálogo. São Paulo: Papirus, 2007
"à distinção entre novo e novidade, gostaria de ressaltar ainda que, além da imensa profusão de novidades, hoje, no nosso cotidiano, elas têm em comum o fato de serem modismos; elas passam, a precariedade é sua principal característica. Já o novo é algo que se implanta, que revoluciona e permanece no tempo. Por exemplo, a mensagem de Sócrates por meio de Platão é nova, revolucionária. O novo é aquilo que mantém a vitalidade, que é viçoso. Outros exemplos que eu poderia citar são a música de Mozart e de Catulo da Paixão Cearense, assim como a obra de Mestre Ataíde ou de Aleijadinho Todas essas manifestações são novas, não são meras novidades.
No mundo de hoje, creio que parte dos jovens perde o foco da possibilidade de esperança porque persegue o urgente e a novidade, deixando o que é importante e também aquilo que é novo de lado."
(Cortella, In: Betto e Cortella, 2007, p. 301).
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
Ed René Kivitz - TALMIDIM 001: Reflexões Diárias
talmidim. [do hebraico] S. m. pl.: aprendizes, discípulos
Na Galiléia do tempo de Jesus, os meninos em Israel iniciavam seus estudos da Torah aos 6 anos de idade. Aos 10 anos já tinham a Torah decorada. Terminado esse primeiro estágio na escola primária (Beit Sefer), a maioria dos meninos se dedicava a aprender o ofício da família. Os que se destacavam seguiam estudando na escola secundária (Beit Talmud) e mergulhavam no restante das Escrituras e na tradição oral dos rabinos e suas muitas interpretações e aplicações da Lei de Moisés. Aos 14 e 15 anos, somente os melhores entre os melhores estavam estudando, geralmente aos pés de um rabino famoso e respeitado. Esses pouquíssimos meninos da elite intelectual de Israel eram chamados talmidim (trad. discípulos).
TALMIDIM é o tema que escolhi para o videocast com reflexões diárias a respeito dos conceitos fundamentais da espiritualidade cristã, tendo como referência a relação de Jesus de Nazaré com os seus talmidim. Convido você a colocar o pé na estrada e me acompanhar nessa aventura de seguir a Jesus.
Na Galiléia do tempo de Jesus, os meninos em Israel iniciavam seus estudos da Torah aos 6 anos de idade. Aos 10 anos já tinham a Torah decorada. Terminado esse primeiro estágio na escola primária (Beit Sefer), a maioria dos meninos se dedicava a aprender o ofício da família. Os que se destacavam seguiam estudando na escola secundária (Beit Talmud) e mergulhavam no restante das Escrituras e na tradição oral dos rabinos e suas muitas interpretações e aplicações da Lei de Moisés. Aos 14 e 15 anos, somente os melhores entre os melhores estavam estudando, geralmente aos pés de um rabino famoso e respeitado. Esses pouquíssimos meninos da elite intelectual de Israel eram chamados talmidim (trad. discípulos).
TALMIDIM é o tema que escolhi para o videocast com reflexões diárias a respeito dos conceitos fundamentais da espiritualidade cristã, tendo como referência a relação de Jesus de Nazaré com os seus talmidim. Convido você a colocar o pé na estrada e me acompanhar nessa aventura de seguir a Jesus.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Lula em Campinas
o discurso do Lula é música para os meus ouvidos...
"...nãoserá o presidente dos Estados Unidos! Não será o presidente da Alemanha! Não será o presidente da França! Não será a Rainha da Inglaterra... Será um metalúrgico de São Bernardo do Campo, que vai passar pra história como o Presidente que fez a maior capitalização que o capitalismo já viu... Tudo isso, porque sou Socialista!"
"...nãoserá o presidente dos Estados Unidos! Não será o presidente da Alemanha! Não será o presidente da França! Não será a Rainha da Inglaterra... Será um metalúrgico de São Bernardo do Campo, que vai passar pra história como o Presidente que fez a maior capitalização que o capitalismo já viu... Tudo isso, porque sou Socialista!"
domingo, 22 de agosto de 2010
sobre as relações que desafiam o tempo
Um amigo me disse isso e Rubem Alves confirma com Nietzsche e Sherazade.
Para começar, uma afirmação de Nietzsche com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice?” Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sob a arte de conversar.
Sherazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã e terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente e terminam na morte, como no filme “O Império dos Sentidos”. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa sem fim que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras, como se fossem música.
Para começar, uma afirmação de Nietzsche com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice?” Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sob a arte de conversar.
Sherazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã e terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente e terminam na morte, como no filme “O Império dos Sentidos”. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa sem fim que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras, como se fossem música.
sábado, 26 de junho de 2010
terça-feira, 22 de junho de 2010
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Palavras de Montaigne
UMa crítica dessas nos dias de hoje seria pertinente, nos faria refletir (ou pelo menos deveria, olha eu pedindo coisas demais aqui...). Talvez alguns diriam; "é uma obiviedade, há muito tempo está assim", outros mais animados diriam que é o preço de ter um presidente semianalfabeto. Mas não se enganem quem escreveu isso faleceu em 1592 e viveu nada mais nada menos do que um dos períodos mais ricos em conhecimento da história da humanidade, a Renascença. O Francês (sempre eles com seus pioneirismo) Michel de Montaigne nasceu em 1533, e escreveu alguns ensaios, esste trecho a seguir deve ser de sua obra o "Pedantismo" onde discute o que é ser culto e ser sábio.
"É com satisfação que retomo o tema dos absurdos da nossa educação: sua finalidade não é nos tornar melhores e mais sábios e sim fazer de nós pessoas cultas. E esse objetivo tem sido atingido. Não somos ensinados a buscar a virtude e abraçar a sabedoria: devemos aprender a etimologia de tais palavras... Não hesitamos em perguntar: "Fulano sabe grego o latim? Ele sabe escrever em verso ou prosa?" Mas a pergunta mais importante vem por ultimo: "Ele se tornou uma pessoa melhor e mais sábia?" Devemos descobrir não quem sabe mais e sim quem sabe melhor. Nosso esforço se concentra apenas em encher a memória, e não deixamos espaço para o entendimento da vida e noção do certo e errado."
Michel de Montaigne 1533-1592
retirado do livro
As consolações da Filosofia de Alain de Botton.
"É com satisfação que retomo o tema dos absurdos da nossa educação: sua finalidade não é nos tornar melhores e mais sábios e sim fazer de nós pessoas cultas. E esse objetivo tem sido atingido. Não somos ensinados a buscar a virtude e abraçar a sabedoria: devemos aprender a etimologia de tais palavras... Não hesitamos em perguntar: "Fulano sabe grego o latim? Ele sabe escrever em verso ou prosa?" Mas a pergunta mais importante vem por ultimo: "Ele se tornou uma pessoa melhor e mais sábia?" Devemos descobrir não quem sabe mais e sim quem sabe melhor. Nosso esforço se concentra apenas em encher a memória, e não deixamos espaço para o entendimento da vida e noção do certo e errado."
Michel de Montaigne 1533-1592
retirado do livro
As consolações da Filosofia de Alain de Botton.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
A cidade de Leônia
Lembrei desse texto quando via, pela televisão, as tristes cenas do lixo sobre a comunidade do Bumbá no Rio de Janeiro. "Ninguém pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos" e talvez o mundo inteiro esteja coberto por uma cratera de imundície, e nós ainda não soubemos a lidar com ele. a verdade é que: "quanto mais cresce em altura, maior é a ameaça de desmoronamento". Boa Leitura
A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: a população acorda todas as manhãs em lençóis frescos, lava-se com sabonetes recém tirados da embalagem, veste roupões novíssimos, extrai das mais avançadas geladeiras latas ainda intatas, escutando as últimas lengalengas do último modelo de rádio.
Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos de Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só tubos retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais, recipientes, materiais de embalagem, mas também aquecedores, enciclopédias, pianos, aparelhos de jantar de porcelana: mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas. Tanto que se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia é de fato, como dizem, o prazer das coisas novas e diferentes, e não o ato de expelir, de afastar de si, expurgar uma impureza recorrente. O certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e a sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um respeito silencioso, como um rito que inspira a devoção, ou talvez apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas.
Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida; mas todos os anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar para mais longe; a imponência dos tributos aumenta e os impostos elevam-se, estratificam-se, estendem-se por um perímetro mais amplo. Acrescente-se que, quanto mais Leônia se supera na arte de fabricar novos materiais, mais substancioso torna-se o lixo, resistindo ao tempo, às intempéries, à fermentação e à combustão. É uma fortaleza de rebotalhos indestrutíveis que circunda Leônia, domina-a de todos os lados como uma cadeia de montanhas.
O resultado é o seguinte: quanto mais Leônia expele, mais coisas acumula; as escamas do seu passado se solidificam numa couraça impossível de se tirar; renovando-se todos os dias, a cidade conserva-se integralmente em sua única forma definitiva: a do lixo de ontem que se junta ao lixo de anteontem e de todos os dias e anos e lustros.
A imundície de Leônia pouco a pouco invadiria o mundo se o imenso depósito de lixo não fosse comprimido, do lado de lá de sua cumeeira, por depósitos de lixo de outras cidades que também repelem para longe montanhas de detritos. Talvez o mundo inteiro, além dos confins de Leônia, seja recoberto por crateras de imundície, cada uma com uma metrópole no centro em ininterrupta erupção. Os confins entre cidades desconhecidas e inimigas são bastiões infectados em que os detritos de uma e de outra escoram-se reciprocamente, superam-se, misturam-se.
Quanto mais cresce em altura, maior é a ameaça de desmoronamento: basta que um vasilhame, um pneu velho, um garrafão de vinho se precipitem do lado de Leônia e uma avalanche de sapatos desemparelhados, calendários de anos decorridos e flores secas afunda no passado que em vão tentava repelir, misturado com o das cidades limítrofes, finalmente eliminada – um cataclismo irá aplainar a sórdida cadeia montanhosa, cancelar qualquer vestígio da metrópole sempre vestida de novo. Já nas cidades vizinhas, estão prontos os rolos compressores para aplainar o solo, estender-se no novo território, alargar-se, afastar os novos depósitos de lixo.
Italo Calvino, As cidades invisíveis, 1972.
A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: a população acorda todas as manhãs em lençóis frescos, lava-se com sabonetes recém tirados da embalagem, veste roupões novíssimos, extrai das mais avançadas geladeiras latas ainda intatas, escutando as últimas lengalengas do último modelo de rádio.
Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos de Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só tubos retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais, recipientes, materiais de embalagem, mas também aquecedores, enciclopédias, pianos, aparelhos de jantar de porcelana: mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas. Tanto que se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia é de fato, como dizem, o prazer das coisas novas e diferentes, e não o ato de expelir, de afastar de si, expurgar uma impureza recorrente. O certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e a sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um respeito silencioso, como um rito que inspira a devoção, ou talvez apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas.
Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida; mas todos os anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar para mais longe; a imponência dos tributos aumenta e os impostos elevam-se, estratificam-se, estendem-se por um perímetro mais amplo. Acrescente-se que, quanto mais Leônia se supera na arte de fabricar novos materiais, mais substancioso torna-se o lixo, resistindo ao tempo, às intempéries, à fermentação e à combustão. É uma fortaleza de rebotalhos indestrutíveis que circunda Leônia, domina-a de todos os lados como uma cadeia de montanhas.
O resultado é o seguinte: quanto mais Leônia expele, mais coisas acumula; as escamas do seu passado se solidificam numa couraça impossível de se tirar; renovando-se todos os dias, a cidade conserva-se integralmente em sua única forma definitiva: a do lixo de ontem que se junta ao lixo de anteontem e de todos os dias e anos e lustros.
A imundície de Leônia pouco a pouco invadiria o mundo se o imenso depósito de lixo não fosse comprimido, do lado de lá de sua cumeeira, por depósitos de lixo de outras cidades que também repelem para longe montanhas de detritos. Talvez o mundo inteiro, além dos confins de Leônia, seja recoberto por crateras de imundície, cada uma com uma metrópole no centro em ininterrupta erupção. Os confins entre cidades desconhecidas e inimigas são bastiões infectados em que os detritos de uma e de outra escoram-se reciprocamente, superam-se, misturam-se.
Quanto mais cresce em altura, maior é a ameaça de desmoronamento: basta que um vasilhame, um pneu velho, um garrafão de vinho se precipitem do lado de Leônia e uma avalanche de sapatos desemparelhados, calendários de anos decorridos e flores secas afunda no passado que em vão tentava repelir, misturado com o das cidades limítrofes, finalmente eliminada – um cataclismo irá aplainar a sórdida cadeia montanhosa, cancelar qualquer vestígio da metrópole sempre vestida de novo. Já nas cidades vizinhas, estão prontos os rolos compressores para aplainar o solo, estender-se no novo território, alargar-se, afastar os novos depósitos de lixo.
Italo Calvino, As cidades invisíveis, 1972.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Machu Picchu
O nome do guia que nos acompanhou em Macchu Picchu é Edwin, em pé de blusa verde, disse que em maio lançaria um livro com o titulo "Machu Picchu e seus segredos" ou algo parecido. Sempre me chamava de Romário, gostei da sua atuação como guia, demonstrou ser um apaixonado pela cidade, e pelo País em que vive, que chegou a chamar de "Perusalém" fazendo referencia a capital de outra terra prometida. Hoje sabendo das chuvas em Machu Picchu espero que um milagre tenha livrado ele e muitos outros trabalhadores de Aguas Callientes e toda Machu Picchu.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Em tempo... É Natal
obra de Bartolome Esteban Murillo
A encarnação por Santo Agostinho
O criador do homem tornou-se homem pra que ele, o governante das estrelas, pudesse mamar no peito de sua mãe; pra que o Pão pudesse ter fome, a Fonte, sede; para que a Luz dormisse, o Caminho ficasse cansado em sua caminhada; para que a Verdade pudesse ser acusada de falso testemunho, o Mestre fosse açoitado com chicotes, o Fundamento fosse elevado sobre o lenho, a Força enfraquecesse, o Médico fosse ferido; par que a Vida pudesse morrer.
sábado, 19 de dezembro de 2009
A prole do Conde Dracul
Curiosa, a persistente popularidade de vampiros entre os jovens. Livros e filmes de vampiro estão entre os mais lidos e vistos pelo público adolescente. Nenhuma explicação sociológica para o fenômeno parece ser mais convincente do que a simples constatação de que vampiro é sexy. Talvez, numa era em que a sexualidade fica cada vez mais precoce e tudo já foi feito, a dentada no pescoço seja vista como a suprema experiência sexual. Ou então — lá vai sociologia — na falta de qualquer coisa em suas vidas que tenha mais de dois ou três anos de tradição, os jovens tenham adotado um dos mais tradicionais terrores da humanidade para ter algum tipo de passado, mesmo fictício. Os vampiros dos livros e filmes são moços na moda, mas pertencem a uma linhagem que vem das sombras da Idade Média. É uma grife milenar.
A origem histórica de Drácula, o protótipo de todos os vampiros, é o Conde Dracul, um senhor feudal da Transilvânia conhecido pela sua crueldade (seu apelido era O Empalador, manja só). O primeiro vampiro literário foi criado pelo médico John Polidori, que passava o verão de 1816 à beira do lago de Genebra junto com os poetas Lord Byron e Percy Shelley e a namorada deste, Mary Shelley. No mesmo verão famoso, Mary Shelley inventou outro monstro, a criatura do dr. Frankenstein. A invenção da Mary Shelley foi um sucesso, mas o vampiro de Polidori foi esquecido, até Bran Stoker criar o seu Drácula. Para o critico marxista italiano Franco Moretti, os dois monstros nascidos em Genebra simbolizam horrores opostos. Um, a criatura do dr. Frankenstein, feito de partes de camponeses mortos, dos dejetos do feudalismo, representa uma nova forma de vida. Uma classe sem precedentes, com um poder desconhecido, que chega para aterrorizar a burguesia. Drácula representa a classe senhorial, uma aristocracia feudal em decomposição na qual só restaram os vícios — e o gosto por sugar o sangue dos aldeões. Os dois resumem os temores que dominavam o século 19, e de um jeito ou de outro ainda dominam o mundo. Existem monstros do dr, Frankenstein mais ameaçadores do que os milhões de miseráveis sem perspectiva da Terra à espera de uma faísca que os levante? Existem sugadores de sangue mais renitentes do que os do capital financeiro internacional?
Claro que nada disto tem a ver com os vampiros na moda, hoje. Ouvi dizer que a próxima tendência entre os jovens será a de dentes caninos postiços. Em algum lugar o Conde Dracul deve estar sorrindo, satisfeito com a sua prole.
prosado no Jornal Estadão. por Luis Fernando Verissimo
Grifo nosso
A origem histórica de Drácula, o protótipo de todos os vampiros, é o Conde Dracul, um senhor feudal da Transilvânia conhecido pela sua crueldade (seu apelido era O Empalador, manja só). O primeiro vampiro literário foi criado pelo médico John Polidori, que passava o verão de 1816 à beira do lago de Genebra junto com os poetas Lord Byron e Percy Shelley e a namorada deste, Mary Shelley. No mesmo verão famoso, Mary Shelley inventou outro monstro, a criatura do dr. Frankenstein. A invenção da Mary Shelley foi um sucesso, mas o vampiro de Polidori foi esquecido, até Bran Stoker criar o seu Drácula. Para o critico marxista italiano Franco Moretti, os dois monstros nascidos em Genebra simbolizam horrores opostos. Um, a criatura do dr. Frankenstein, feito de partes de camponeses mortos, dos dejetos do feudalismo, representa uma nova forma de vida. Uma classe sem precedentes, com um poder desconhecido, que chega para aterrorizar a burguesia. Drácula representa a classe senhorial, uma aristocracia feudal em decomposição na qual só restaram os vícios — e o gosto por sugar o sangue dos aldeões. Os dois resumem os temores que dominavam o século 19, e de um jeito ou de outro ainda dominam o mundo. Existem monstros do dr, Frankenstein mais ameaçadores do que os milhões de miseráveis sem perspectiva da Terra à espera de uma faísca que os levante? Existem sugadores de sangue mais renitentes do que os do capital financeiro internacional?
Claro que nada disto tem a ver com os vampiros na moda, hoje. Ouvi dizer que a próxima tendência entre os jovens será a de dentes caninos postiços. Em algum lugar o Conde Dracul deve estar sorrindo, satisfeito com a sua prole.
prosado no Jornal Estadão. por Luis Fernando Verissimo
Grifo nosso
terça-feira, 27 de outubro de 2009
I Have a Dream
I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character. have a dream today!
Martin Luther King, Jr.
http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/dream.htm
http://www.americanrhetoric.com/speeches/mlkihaveadream.htm
Martin Luther King, Jr.
http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/dream.htm
http://www.americanrhetoric.com/speeches/mlkihaveadream.htm
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Memórias de Marguerite
É sempre bom recordar o afago de Marguerite Yourcenar (1903-1987) ao escrever que, “quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana”.
A romancista e dramaturga francesa (nascida, porém, em Bruxelas, quando o século 20 tinha apenas três anos!) fez poesias (“O Jardim das Quimeras”), reinterpretando os mitos do nosso longínquo passado grego, e produziu sua mais famosa obra, “Memórias de Adriano”, quando o século chegava ao meio; morreu aos 84 anos, por pouco não alcançando o final do mesmo século com o qual quase nascera.
Qual passado não pode estar presente nas seculares memórias de Marguerite? Nos poucos 13 anos que faltaram para ela atingir o final do século 20, o que Marguerite não viu? Não viu o massacre de estudantes em uma praça de Pequim (que, por distúrbio semântico ou ironia mística, é chamada de Paz Celestial) nem a invasão do Panamá (em uma operação alcunhada de Causa Justa), ordenada por um presidente norte-americano; não viu o Brasil latinamente estrear o impeachment presidencial.
Não viu a queda do Muro de Berlim e a posterior reunificação das Alemanhas; não viu, também, o começo da reaproximação das Coréias e, mais recentemente, a lamentável retomada dos confrontos entre israelenses e palestinos, apenas sete anos após a assinatura do acordo de paz, que culminou com a entrega do Nobel para os signatários Iasser Arafat, Shimon Peres e Yitzhak Rabin (assassinado por um jovem judeu em Tel Aviv há cinco anos).
Não viu o desmantelamento da União Soviética, com o fim do começo da necessária utopia socialista; não viu o papa João Paulo 2º visitar Cuba a convite do próprio Fidel Castro (participante contrito de uma espetacular missa em Havana) nem o fechamento definitivo da usina nuclear de Tchernobil.
Não viu a Guerra do Golfo, quando, autorizado pela ONU, o Ocidente fez um ataque maciço e inclemente contra as forças de Saddam Hussein para recuperar os campos de petróleo de um Kuait submetido a uma invasão iraquiana; não viu uma sangrenta e aterrorizante Guerra da Bósnia, entre sérvios, croatas e bósnios, o mais longo conflito bélico na Europa depois da Segunda Guerra Mundial e que, por não envolver a avidez do petróleo, permitiu que as grandes nações acompanhassem sem intervir de fato.
Não viu a emocionante eleição de Nelson Mandela (depois de quase 28 anos na prisão) para presidir a África do Sul no primeiro governo após o término formal do apartheid; não viu José Saramago receber o Nobel de Literatura, inédito para um escritor de língua portuguesa, nem alguns ideais nazistas ressurgirem em determinados focos na Europa, que, criando uma União Européia, lançou uma moeda única.
Nas suas parciais memórias, Marguerite não viu a ovelha Dolly nem se assustou com os desdobramentos possíveis da clonagem; não falou a partir de um celular nem navegou na Internet; não ingeriu alimentos geneticamente modificados; não ouviu música em um CD; não presenciou a regularização (em alguns países) da eutanásia e da união civil entre pessoas do mesmo sexo; não acompanhou a sonda em Marte (com hipótese de outras formas de vida) e não chorou a morte de Antonio Carlos Jobim, Frank Sinatra e madre Teresa de Calcutá.
Esses “presentes”, tal como sobreviveram na memória humana, poderiam ser outros; dependem, sempre, do ponto de vista de quem lembra.
Por isso precisa ficar memorável a idéia do contemporâneo William Faulkner: “Ontem só acabará amanhã, e amanhã começou há dez mil anos...”.
Mario Sergio Cortella, filósofo, professor da PUC-SP e autor de “A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos” (ed. Cortez/IPF)
A romancista e dramaturga francesa (nascida, porém, em Bruxelas, quando o século 20 tinha apenas três anos!) fez poesias (“O Jardim das Quimeras”), reinterpretando os mitos do nosso longínquo passado grego, e produziu sua mais famosa obra, “Memórias de Adriano”, quando o século chegava ao meio; morreu aos 84 anos, por pouco não alcançando o final do mesmo século com o qual quase nascera.
Qual passado não pode estar presente nas seculares memórias de Marguerite? Nos poucos 13 anos que faltaram para ela atingir o final do século 20, o que Marguerite não viu? Não viu o massacre de estudantes em uma praça de Pequim (que, por distúrbio semântico ou ironia mística, é chamada de Paz Celestial) nem a invasão do Panamá (em uma operação alcunhada de Causa Justa), ordenada por um presidente norte-americano; não viu o Brasil latinamente estrear o impeachment presidencial.
Não viu a queda do Muro de Berlim e a posterior reunificação das Alemanhas; não viu, também, o começo da reaproximação das Coréias e, mais recentemente, a lamentável retomada dos confrontos entre israelenses e palestinos, apenas sete anos após a assinatura do acordo de paz, que culminou com a entrega do Nobel para os signatários Iasser Arafat, Shimon Peres e Yitzhak Rabin (assassinado por um jovem judeu em Tel Aviv há cinco anos).
Não viu o desmantelamento da União Soviética, com o fim do começo da necessária utopia socialista; não viu o papa João Paulo 2º visitar Cuba a convite do próprio Fidel Castro (participante contrito de uma espetacular missa em Havana) nem o fechamento definitivo da usina nuclear de Tchernobil.
Não viu a Guerra do Golfo, quando, autorizado pela ONU, o Ocidente fez um ataque maciço e inclemente contra as forças de Saddam Hussein para recuperar os campos de petróleo de um Kuait submetido a uma invasão iraquiana; não viu uma sangrenta e aterrorizante Guerra da Bósnia, entre sérvios, croatas e bósnios, o mais longo conflito bélico na Europa depois da Segunda Guerra Mundial e que, por não envolver a avidez do petróleo, permitiu que as grandes nações acompanhassem sem intervir de fato.
Não viu a emocionante eleição de Nelson Mandela (depois de quase 28 anos na prisão) para presidir a África do Sul no primeiro governo após o término formal do apartheid; não viu José Saramago receber o Nobel de Literatura, inédito para um escritor de língua portuguesa, nem alguns ideais nazistas ressurgirem em determinados focos na Europa, que, criando uma União Européia, lançou uma moeda única.
Nas suas parciais memórias, Marguerite não viu a ovelha Dolly nem se assustou com os desdobramentos possíveis da clonagem; não falou a partir de um celular nem navegou na Internet; não ingeriu alimentos geneticamente modificados; não ouviu música em um CD; não presenciou a regularização (em alguns países) da eutanásia e da união civil entre pessoas do mesmo sexo; não acompanhou a sonda em Marte (com hipótese de outras formas de vida) e não chorou a morte de Antonio Carlos Jobim, Frank Sinatra e madre Teresa de Calcutá.
Esses “presentes”, tal como sobreviveram na memória humana, poderiam ser outros; dependem, sempre, do ponto de vista de quem lembra.
Por isso precisa ficar memorável a idéia do contemporâneo William Faulkner: “Ontem só acabará amanhã, e amanhã começou há dez mil anos...”.
Mario Sergio Cortella, filósofo, professor da PUC-SP e autor de “A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos” (ed. Cortez/IPF)
"Por que a educação deu certo em outros países e não deu certo no Brasil?"
Por: Cristovam Buarque*
A Câmara dos Deputados realizou nesta semana um oportuno debate com uma pergunta: "Por que a educação deu certo em outros países e não deu certo no Brasil?"
A resposta exige apenas três palavras: "Porque eles quiseram". A pergunta então é: "Por que não quisemos?".
Por quatro razões: primeira, cultural. Não somos um povo, elite e massa, com visão e sentimento de que educação é um valor fundamental. Para nós, educação é, no máximo, um serviço público, como água, esgoto; com valor inferior aos investimentos na infra-estrutura econômica como energia, transporte, estrada, portos, aeroportos, bancos, e inferior também aos bens de consumo. Nenhuma família brasileira compraria uma televisão em uma loja parecida com a escola onde deixa seus filhos.
Faz parte da cultura brasileira ver a educação como um capítulo secundário ao propósito de renda, patrimônio, bem estar, soberania, justiça, democracia. O padrão de beleza é físico, jamais um jovem é tido como atraente por seus conhecimentos, por suas notas na escola. As novelas mostram seus heróis com base na riqueza, na saúde, no corpo atlético, nunca na formação literária, filosófica ou científica. E, se fizer essa inversão, parecerá falso.
Mesmo aqueles que se preocupam com a educação dos filhos, olham menos o conhecimento que terão do que as vantagens salariais que poderão obter com seus conhecimentos. Por isso, no Brasil, o interesse é maior com o diploma do que conhecimento.
Segunda, histórica. A cultura é conseqüência da história. A população deseducada não dá valor à educação. A má escola de hoje é vista como boa, porque os pais nada tiveram, agora seus filhos têm onde ficar, comer e ter a impressão que estudam. A exclusão gera a aceitação da exclusão, como as castas na Índia. No Brasil, os pobres vêem as boas escolas como um direito apenas dos filhos dos ricos, e os ricos acham que basta educar seus filhos. Os primeiros acham que não é possível uma boa escola para todos, os outros acham que não é preciso.
Terceira, política. Somos um povo dividido entre elite e povão. E historicamente a vontade política é orientada para atender aos desejos da minoria privilegiada, não às necessidades das massas excluídas. Isso vale tanto para os produtos da economia, que atendem ao mercado formado pela renda dos ricos; como para os serviços sociais: moradia, água, esgoto, transporte, cultura e também educação. Por isso, os aeroportos, por exemplo, são federais, mas as rodoviárias, municipais ou estaduais; as universidades, as escolas técnicas são federais, mas as escolas básicas, municipais ou estaduais. Quando os aeroportos entram em crise, o ministro é substituído, surge dinheiro para novas pistas, trens para levar os passageiros da cidade a novos aeroportos. Mas a tragédia educacional das greves se arrasta por meses sem qualquer ação da parte dos governos, especialmente o federal.
Quarta, abandono. Na educação, décadas de abandono fizeram com que o abandono gerasse um descaso ainda maior. O abandono provocou greves, as greves provocam mais abandono; o mesmo se passa com os baixos salários, e a perda de interesse dos professores, com as más condições dos prédios, com o roubo de equipamentos; com a violência.
São essas as principais razões que impedem o Brasil de dar o salto na educação: por falta de uma consciência social que nos impede de ter a vontade política coletiva de mudar.
Por isso, é tão difícil fazer a revolução educacional no Brasil. Não é porque não sabemos como fazer, é porque ainda não nos convencemos de que é preciso fazer.
A saída é fazer da educação uma questão nacional, fazer da escola uma responsabilidade federal. Tomar a decisão de que as escolas terão a mesma qualidade, independente da família em que a criança nasceu e da cidade onde vive. O desafio é convencer o povo de que isso é possível e preciso.
São essas as principais razões que impedem o Brasil de dar o salto na educação: por falta de uma consciência social que nos impede de ter a vontade política coletiva de mudar.
Por isso, é tão difícil fazer a revolução educacional no Brasil. Não é porque não sabemos como fazer, é porque ainda não nos convencemos de que é preciso fazer.
A maior tarefa, de quem quiser mudar a educação brasileira, é assumir o papel de educacionista, convencer, conscientizar os brasileiros de que é preciso e é possível, fazer essa revolução. Só mudando a cabeça do Brasil é que vamos educar as cabeças de nossas crianças, com a qualidade e a igualdade de que o Brasil precisa.
Cristovam Buarque é senador
A Câmara dos Deputados realizou nesta semana um oportuno debate com uma pergunta: "Por que a educação deu certo em outros países e não deu certo no Brasil?"
A resposta exige apenas três palavras: "Porque eles quiseram". A pergunta então é: "Por que não quisemos?".
Por quatro razões: primeira, cultural. Não somos um povo, elite e massa, com visão e sentimento de que educação é um valor fundamental. Para nós, educação é, no máximo, um serviço público, como água, esgoto; com valor inferior aos investimentos na infra-estrutura econômica como energia, transporte, estrada, portos, aeroportos, bancos, e inferior também aos bens de consumo. Nenhuma família brasileira compraria uma televisão em uma loja parecida com a escola onde deixa seus filhos.
Faz parte da cultura brasileira ver a educação como um capítulo secundário ao propósito de renda, patrimônio, bem estar, soberania, justiça, democracia. O padrão de beleza é físico, jamais um jovem é tido como atraente por seus conhecimentos, por suas notas na escola. As novelas mostram seus heróis com base na riqueza, na saúde, no corpo atlético, nunca na formação literária, filosófica ou científica. E, se fizer essa inversão, parecerá falso.
Mesmo aqueles que se preocupam com a educação dos filhos, olham menos o conhecimento que terão do que as vantagens salariais que poderão obter com seus conhecimentos. Por isso, no Brasil, o interesse é maior com o diploma do que conhecimento.
Segunda, histórica. A cultura é conseqüência da história. A população deseducada não dá valor à educação. A má escola de hoje é vista como boa, porque os pais nada tiveram, agora seus filhos têm onde ficar, comer e ter a impressão que estudam. A exclusão gera a aceitação da exclusão, como as castas na Índia. No Brasil, os pobres vêem as boas escolas como um direito apenas dos filhos dos ricos, e os ricos acham que basta educar seus filhos. Os primeiros acham que não é possível uma boa escola para todos, os outros acham que não é preciso.
Terceira, política. Somos um povo dividido entre elite e povão. E historicamente a vontade política é orientada para atender aos desejos da minoria privilegiada, não às necessidades das massas excluídas. Isso vale tanto para os produtos da economia, que atendem ao mercado formado pela renda dos ricos; como para os serviços sociais: moradia, água, esgoto, transporte, cultura e também educação. Por isso, os aeroportos, por exemplo, são federais, mas as rodoviárias, municipais ou estaduais; as universidades, as escolas técnicas são federais, mas as escolas básicas, municipais ou estaduais. Quando os aeroportos entram em crise, o ministro é substituído, surge dinheiro para novas pistas, trens para levar os passageiros da cidade a novos aeroportos. Mas a tragédia educacional das greves se arrasta por meses sem qualquer ação da parte dos governos, especialmente o federal.
Quarta, abandono. Na educação, décadas de abandono fizeram com que o abandono gerasse um descaso ainda maior. O abandono provocou greves, as greves provocam mais abandono; o mesmo se passa com os baixos salários, e a perda de interesse dos professores, com as más condições dos prédios, com o roubo de equipamentos; com a violência.
São essas as principais razões que impedem o Brasil de dar o salto na educação: por falta de uma consciência social que nos impede de ter a vontade política coletiva de mudar.
Por isso, é tão difícil fazer a revolução educacional no Brasil. Não é porque não sabemos como fazer, é porque ainda não nos convencemos de que é preciso fazer.
A saída é fazer da educação uma questão nacional, fazer da escola uma responsabilidade federal. Tomar a decisão de que as escolas terão a mesma qualidade, independente da família em que a criança nasceu e da cidade onde vive. O desafio é convencer o povo de que isso é possível e preciso.
São essas as principais razões que impedem o Brasil de dar o salto na educação: por falta de uma consciência social que nos impede de ter a vontade política coletiva de mudar.
Por isso, é tão difícil fazer a revolução educacional no Brasil. Não é porque não sabemos como fazer, é porque ainda não nos convencemos de que é preciso fazer.
A maior tarefa, de quem quiser mudar a educação brasileira, é assumir o papel de educacionista, convencer, conscientizar os brasileiros de que é preciso e é possível, fazer essa revolução. Só mudando a cabeça do Brasil é que vamos educar as cabeças de nossas crianças, com a qualidade e a igualdade de que o Brasil precisa.
Cristovam Buarque é senador
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
Entre Deus e o Diabo
"Há uma luta entre Deus e o Diabo e seu palco é o coração humano, nos diz Dimitri Karamazov, um dos heróis de Dostoiévski."
O HABITAT natural da alma é viver entre Deus e o Diabo. Sem esse combate, a alma se dissolve em pequenas manias diárias e fica pequena.
Uma das faces da miséria humana é a vaidade, e a vaidade quer agradar. Como diz a escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís, hoje todo mundo quer agradar, o professor, o artista, o metafísico. Sua tese é que no fundo deste desejo de agradar está o trauma infantil do desamparo que nos afeta a todos. Ao tentar agradar, buscamos fugir do medo do desamparo. Quando o intelectual é afetado por este desejo, ele se transforma numa máquina de repetição de unanimidades a fim de agradar a opinião pública.
Também morro de medo, como não? Ainda mais hoje, quando agradar é um conceito cientifico na sociedade de mercado. Quando atingida pela unanimidade, a opinião pública torna o ar irrespirável. Segundo a ciência da opinião pública, discordar dela é suicídio.
A partir de sua pequena janela, em seu pequeno apartamento de classe média, onde a televisão reproduz um desses programas alegres de domingo, nossa heroína, a opinião pública, contempla sua criação. Com uma lupa, vasculha o mundo, em busca de um vírus que justifique cientificamente seu medo.
Até o Diabo fica pálido diante dessa moradora de apartamento de classe média, que vasculha o mundo com sua lupa. O Diabo se esconde, sentindo-se finalmente derrotado, com as faces vermelhas de pudor.
Há medos e medos. Há medos que nos engrandecem e medos que nos humilham. O medo de Hamlet nos engrandece: afinal, seria eu, no fundo, uma caveira vazia? Ou seria eu uma alma cega, que, mesmo sendo, no fundo, uma caveira vazia, pressente a presença de seu criador e o persegue arrastando-se pelo chão?
O medo de quem grita nas farmácias em busca de álcool gel nos humilha. Os olhos de um chimpanzé dentro de sua cela no zoológico são mais humanos do que a obsessão de quem lava as mãos a cada segundo.
Tanto o professor, quanto o artista, o metafísico, são obrigados a seguir o roteiro da concepção de vida medíocre da classe média em que só pode ser dito o que "agrega valor à vida". Cuidado! Os olhos da moradora do apartamento enxergam tudo o que se move em sua criação. E nela, todos devem ter seus orçamentos equilibrados.
O professor deve ver diante de si alguém que, por definição, nunca erra, e se preocupar com sua autoestima, o artista deve pintar o rosto do pequeno deus miserável que sonhamos ter dentro de nós, o metafísico, este coitado, vira escravo de um universo que deve estar a nossa disposição a cada segundo resolvendo até nossos crediários.
Confesso: eu não tenho uma concepção de vida, sou um coitado. Vejo a vida como Pepi, a faxineira do romance de Kafka "O Castelo". Pelo buraco de uma fechadura, vejo a vida e seus muitos vultos aos pedaços, arrastando-se pelas paredes. A duras penas pressinto suas formas. Muitas vezes estremeço quando as pressinto mais agudamente.
Já tentei ter uma concepção de vida, mas desisti e hoje, como diz o filósofo romeno Cioran (século 20), eu acho que grande parte dos problemas do mundo advém da praga que é todo mundo querer ter uma concepção de vida. Quando estou diante de alguém que tem uma concepção de vida, recuo assim como quem recua de um predador. A certeza acerca do que seja uma vida plena me apavora. Antigamente apenas alguns poucos eram tomados por esta febre, mas hoje, como vivemos no mundo das grandes quantidades, todos se acham no direito de ter concepções de vida.
A indiferença faria do mundo, talvez, um lugar melhor. Mas sei que isso é difícil de ser compreendido por quem se vê como um agente do bem, a partir de seu pequeno apartamento de classe média, ao som de seu programa alegre de domingo. Quem assim se vê normalmente não tem qualquer piedade.
Nessas horas, sinto saudades de Deus e daquele tipo de santo que vivia o dilaceramento de quem se vê tragado, de um lado, pela graça de Deus, e, do outro, por sua natureza orgulhosa, que se revolta contra os elementos naturais, apenas porque eles lhe são indiferentes.
Há uma luta entre Deus e o Diabo e seu palco é o coração humano, nos diz Dimitri Karamazov, um dos heróis de Dostoiévski. O habitat natural da alma é viver entre Deus e o Diabo. Como Deus é piedoso, dele aprendo a humildade, como o Diabo é infeliz, dele aprendo a vaidade. Ambos são improváveis, por isso merecem nossa fé.
Luiz Felipe Pondé
31/08/2009
Na Folha de São Paulo
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