sexta-feira, 25 de abril de 2008

A palavra é...Madrasta

Coluna de Sérgio Rodrigues sobre a palavra madrasta, um ótimo site pra quem está cansado da mesmice e falta de criatividade do jornalismo.

A palavra é...Madrasta

A palavra madrasta está envolta em conotações negativas há tanto tempo que, pode-se argumentar, alguma elas devem ter aprontado. Além dos contos de fada, com Cinderela puxando a fila, ditos populares são testemunhas da antiguidade do problema. Rafael Bluteau, em seu dicionário do início do século 18, registrava os seguintes adágios portugueses: “Madrasta e enteada sempre andam em baralha” (isto é, em conflito, em joguinhos de intrigas); e o genialmente sucinto “Madrasta, o nome lhe basta”.

Bastará mesmo? Será que o sentido negativo já estava lá no momento da criação da palavra? Madrasta saiu do latim popular matrasta, de significado idêntico: a nova mulher do pai. Trata-se de uma das derivadas de mater, vinda por sua vez da imemorial raiz indo-européia matr-, ancestral tanto do sânscrito mata quanto do inglês mother. A idéia de mater, mãe, matriz, é tão vital na língua que aparece embutida em lugares inesperados – na matéria, por exemplo, ou na madeira. Mas a madrasta, afinal, tem ou não tem um lado escuro desde sua formação?

A maioria dos filólogos lava as mãos, mas Antenor Nascentes, nome clássico da etimologia brasileira, aposta que sim: segundo ele, a palavra latina nasceu como um “despectivo” – forma depreciativa, pejorativa – de mater. Para Nascentes, portanto, nada tem de fortuito o posterior surgimento, em português, da acepção de madrasta como “aquilo que, em vez de proteger, maltrata”, geralmente usada para qualificar a sorte, o destino.

Apesar de tudo isso, a madrasta má também é um estereótipo grosseiro e injusto, é claro. Em nossa época politicamente correta, está em curso um louvável trabalho para aliviar o termo de sua carga negativa. Qualquer que seja o resultado do julgamento a que deve ser submetida, Anna Carolina Jatobá já atrasou esse trabalho em pelo menos cinqüenta anos.

Publicado na “Revista da Semana”.

Nenhum comentário: