segunda-feira, 19 de maio de 2008

Segunda Versão: Jesus de Saramago

Segunda versão é o espaço para a história não oficial, para relatos, para um ponto e vista diferente do que se costuma ver e ouvir, é um espaço para personagens e testemunhas que não tiveram oportunidades de relatarem as suas experiências por conveniências ou por não terem oportunidade. Ai segue a primeira segunda versão:
No mar da galiléia, esse relato encontra-se na biblia, no evangelho de Marcos 4:35-41. Aqui segue uma versão, que só encanta e abrilhanta os feitos do Mestre Jesus, contada por José Saramago em "O evangelho segundo Jesus Cristo"

Acalmando a tempestade.
Ora, Jesus, lá na barca, vendo o desbarato que ia nas tripulações em redor, e que as ondas saltavam por cima da borda e alagavam tudo dentro, e que os mastros partiam levando-os pelos ares as velas soltas, e que a chuva caía em torrentes que só elas chegariam para afundar uma nave do imperador, Jesus, vendo tudo isso, disse consigo mesmo, não é justo que morram estes homens, ficando eu com vida,(...) e então, de pé, firme e seguro como se debaixo de si o suportasse um sólido chão, gritou, Cala-te e isto era para o vento, Aquieta-te, e isto era para o mar, palavras não eram ditas acalmaram-se o mar e o vento, as nuvens no céu apartaram-se e o sol apareceu como uma glória, que o é e sempre há de ser, ao menos para quem vive menos do que ele. Não se imagina o que foi a alegria naqueles barcos, os beijos, os abraços, os choros de alegria em terra, os daqui não sabiam por que tinha acabado assim tão súbito a tempestade, os de além, como ressuscitados, não pensavam senão na vida salva, e se alguns exclamavam, Milagre, milagre, naqueles instantes primeiros não se deram conta de que alguém tinha de ter sido o autor dele. Mas de repente fez-se o silêncio no mar, os outros barcos rodeavam o de Simão e André, e os pescadores todos olhavam Jesus, calados de assombro, apesar de o estrondo da tempestade tinham ouvido os gritos, Cala-te Aquieta-te, e ali estava ele, Jesus, o homem que gritara, o que ordenava aos peixes que saíssem da água para os homens, o que ordenava às águas que não levassem os homens para os peixes. Jesus tinha-se sentado no banco dos remadores, de cabeça baixa, com uma difusa contraditória impressão de triunfo e de desastre, como se, tendo subido ao ponto mais alto duma montanha, no mesmo instante começasse a melancolia e inevitável descida. Mas agora, ali postos em circulo, os homens esperavam uma palavra sua, não era bastante ter dominado o vento e amansado as águas, tinha de explicar-lhes como o pudera fazer um simples Galileu filho de carpinteiro, quando o próprio Deus parecia tê-los abandonado ao frio abraço da morte.
p.335 336

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