quarta-feira, 16 de julho de 2008

Crente é tudo bobo!

Quem leu o post anterior, e bateu uma deprê do cenário evangélico, saiba que o mundo não está perdido. Tem vida inteligente entre cristãos e evangélicos. O mundinho miúdo, miudissimo de alguns evangélicos encontra o contraponto também em alguns portais como o Cristianismo Criativo.
Segue um texto do Whaner Endo sobre a 8º Flip. Só de saber que tem gente que ora para tudo isso acabar e virar uma "EXPO" me dá um frio na barriga.


Crente é tudo bobo!
Depois de três dias imersos no mundo das letras, na 6ª edição da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty - saí com a nítida impressão de que esta é a visão que o mundo tem dos crentes: só tem bobo no meio da igreja. Mesmo com a importância antropológica ou pelo menos estatística dos evangélicos brasileiros, parece que quando se fala em artes e cultura somos um zero à esquerda.

Entre as mesas e as dezenas de atividades oficiais, além da Off Flip, Flipinha e eventos paralelos, sabe quantos foram voltados, especificamente para o público cristão? ZERO!
Mas, pensando bem... Será que era necessário que isso acontecesse? Acho que não!

Um dos problemas dos cristãos é a sua mentalidade de gueto. Ultimamente, até a pregação tem sido feita só para os de dentro da igreja. Se produzimos arte, ela quase sempre tem um caráter utilitário, pragmático, ou seja, ou é pra evangelização ou para ser utilizada nas liturgias eclesiásticas. Não existe “arte pela arte”.

Pensando assim, fica mais claro porque um evento como a Flip não tem - e nem deveria ter - uma programação específica para o segmento evangélico. Ainda mais nos moldes dos eventos “gospéis” que hoje existem. Se a principal feira voltada para o público evangélico é chamada popularmente de Expo-Babilônia, é sinal de que as coisas não andam muito bem por aqui...
Ano passado, um grupo de irmãos promoveu, com apoio de outros crentes de Paraty, uma “Flip Gospel”, com dupla musical evangelizando na praça e tudo mais... Pô, por que esse pessoal não se esforçou pra ir à Flip, em vez de tentar montar um evento no gueto? Vai entender...

Atividade da Flipinha, na praçaSó sei que, quem não foi esse ano, perdeu. E me disseram que a edição 2008 estava meio caidinha...

Relatos de um crente na Flip
Machado de Assis foi o escritor escolhido como tema – no ano de centenário de sua morte – para a 6ª edição da Flip, que ocorreu entre os dias 2 e 6 de julho na cidade histórica. Para quem ainda não teve a oportunidade de participar, a Flip é simples assim: são feitas mesas-redondas com escritores de diferentes nacionalidades e que, supostamente, devem ligar-se por algum tema. Nem sempre isto deu certo.

Entre um intervalo e outro, a difícil escolha por onde seguir... Café Margarida, onde encontrei Veríssimo e Vitor Ramil na mesma noite; Porto da Pinga (não deixe de experimentar a “cachaça da cobra”... Isto mesmo: tem uma cobra dentro da garrafa!); Café Blend (o café coado na mesa tem um charme todo especial); ou uma das atrações paralelas lançadas pela Off Flip. Confesso que este era o lugar em que Machado estava mais presente. À exceção da mesa de abertura do evento, intitulada “A poesia envenenada de Dom Casmurro” e de uma ou outra exposição, promovida pelo Jornal do Brasil, e dos bonecos na praça, pouco se falou sobre ele. Ah, sim, os garçons dos principais bares das cidades estavam trajados com uma camiseta preta, com a chamada: “Quem foi Capitu?” Quem entendeu a brincadeira não respondeu à pergunta...

Enquanto isto, multidões espremiam-se nas ruas, parando volta-e-meia para pedir autógrafo ou fotografar algum ator ou jornalista global... Escritores que esperam por uma oportunidade recitam seus versos em prosa e poesia, deixando as ruas de pedra – feitas para se caminhar de tênis – ainda mais bonitas.

A mídia divulgou que esta Flip não teria estrelas. Realmente, alguns autores não eram tão conhecidos logo de cara, mas aí ficou a oportunidade de realmente conhecer um pouco mais da obra destes ilustres convidados. No total, 19 mesas-redondas, mediadas vez ou outra por algum escritor mais renomado, como é o caso de Veríssimo, que começou agradecendo a organização pela participação na Clip – Congresso Literário Internacional de Paraty.... Clip? Isto mesmo! Uma gafe logo no início, mas considerando seu humor tímido e indiscutível, todos simplesmente riram e levaram na brincadeira.

Nossas mesas
Com a “eficientíssima” venda de ingressos, fica difícil você escolher as mesas que deseja, mas graças a Deus (será que é por que sou crente?), consegui comprar os ingressos que queria na Tenda dos Autores. Importante destacar que, mesmo que você não tenha conseguido seu lugar na Tenda dos Autores, dá pra assistir às mesas na Tenda do Telão ou simplesmente sentar-se nas calçadas no entorno deste espaço.

Foi na Tenda do Telão que Ana Claudia e eu assistimos à primeira mesa: “A estética do Frio”, com Martin Kohan, Nathan Englander e Vitor Ramil. Com o moderador aparentemente nervoso, a melhor parte da conversa ficou com o argentino Kohan, que falou sobre Borges. Questionado sobre como era escrever numa era pós-Borges, simplesmente disse: "Borges escreveu sobre um futuro concreto, porque tudo o que fazemos hoje [após sua morte] é absolutamente passado", disse ele, enfatizando a atemporalidade do principal escritor argentino. Em seguida, contou que escrevera o romance durante a guerra das Malvinas, embora não se referisse diretamente a ela, procurando mostrar por meio do texto o que se ouve quando a política faz calar. Calou profundo!

Já na Tenda dos Autores, Ana e eu aguardávamos ansiosos o início de conversa entre David Sedaris e Mathew Shirts. Foi a mesa mais divertida de todas a que assistimos. Também pudera: Sedaris, que é colaborador da New Yorker, foi eleito humorista do ano pela New York Times. Segundo ele, permaneceu apenas três dias com o título, afinal foi a edição do dia 10/set/2001 que o elegeu e, no dia 12/set a edição ‘extra’ do jornal já trazia outro americano na top list...

Homossexual assumido, Sedaris iniciou lendo um conto sobre sua experiência ao morar na França e ter de aprender francês (você pode assistir à mesa no YouTube, clicando aqui). Entre uma piada e outra, ele falou sobre a estética da literatura e os estilos de escrita. Segundo ele, normalmente reescreve diversas vezes seus textos antes de entregá-los ao seu editor. Hummm... Nossos autores poderiam aprender isso... Pra ele, esse processe de reescrita é algo penoso: “o primeiro rascunho de uma obra é prazeroso; os demais, passam a ser mera matemática”. Como é difícil achar autores, principalmente iniciantes, que acreditam na técnica, no estudo e na transpiração para escrever...

Já no dia seguinte, assistimos à mesa “A mão e a luva”, com Neil Gaiman (criador, entre outros personagens, do Sandman) e Richard Price (escritor e roteirista, que trabalhou com diretores como Spike Lee e Martin Scorsese), mediados pelo CQC Marcelo Tas.

Neil Gaiman fez a leitura do seu conto inédito “Other People” (pra mim, o ápice da Flip desse ano), atraindo a atenção das 600 pessoas, que lotaram a Tenda dos Autores e ouviram sua história – a narrativa e a arte do diálogo entre um homem e o diabo – em absoluto silêncio, para em seguida ser muito aplaudido (veja no YouTube).

Richard Price desvelou-se na arte de produzir diálogos em seus livros e, sabiamente respondeu ao Tass que os diálogos da vida real não servem pra nada na composição de seus textos... É verdade, você já prestou atenção em qualquer dialogo na mesa de um bar ou numa roda de amigos? Frases cortadas, idéias subentendidas... emoções e expressões dão a lucidez que as letras não podem transcrever...
prosado em Cristianismo Criativo

Nenhum comentário: