quarta-feira, 2 de julho de 2008

Eu é um outro

Um texto de Carlos Rodrigues Brandão, me lembra muito a leitura que fiz de Todorov que afirmou "Eu é um outro"
O outro: esse difícil
O diferente é o outro, e o reconhecimento da diferença é a consciência da alteridade: a descoberta do sentimento que se arma dos símbolos da cultura para dizer que nem tudo é o que eu sou e nem todos são como eu sou. Homem e mulher, branco e negro, senhor e servo, civilizado e índio... O outro é um diferente e por isso atrai e atemoriza. É preciso domá-lo e, depois, é preciso domar no espírito do dominador o seu fantasma, traduzi-lo, explica-lo, ou seja, reduzi-lo, enquanto realidade viva, ao poder da realidade eficaz dos símbolos e valores de quem pode dizer quem são as pessoas que valem, umas diante da outras, umas através das outras. Por isso o outro deve ser compreendido de algum modo e os ansiosos, filósofos e cientistas dos assuntos do homem, sua vida e sua cultura, que cuidem disso. O outro sugere ser decifrado, para que os lados mais difíceis de meu eu, e do meu mundo, de minha cultura sejam trazidos também através dele, de seu mundo e de sua cultura. Através do que há de meu nele, quando, então, o outro reflete a minha imagem espelhada e é às vezes ali onde eu melhor me vejo. Através do que ele afirma e torna claro em mim, na diferença que há entre ele e eu.

Mas a mesma diferença necessária ao entendimento é a razão do conflito, ou é o que se inventa para torná-lo legitimo, quando inevitável. Sobretudo quando do conflito entre diferentes-desiguais um estender sobre o poder de seu domínio. A história se repete seguidamente a lição nunca aprendida de que os grupos humanos não hostilizam e não dominam o “outro povo” porque ele é diferente. Na verdade, tornam-no diferente para fazê-lo inimigo. Para vencê-lo e subjuga-lo em nome da razão de ele ser perversamente diferente e precisar ser tornado igual: civilizado. Para dominá-lo e obter dele os proveitos materiais do domínio e sobre a matriz dos princípios que consagram a desigualdade que justifica o domínio, buscar fazer do o outro: o índio, o cigano, o asiático, um outro eu: o índio cristianizado o negro educado, o cigano sedentarizado, o asiático civilizado.

Carlos Rodrigues Brandão, Identidade e etnia – São Paulo

Nenhum comentário: